quarta-feira, 8 de abril de 2020

Diário de um Confinado

Depois de uma semana de confinamento, constato que a minha sanidade mental ainda não foi afectada e confesso que temi o pior. Achei mesmo que seria dificílimo mantê-la devido a este isolamento forçado e aos condicionalismos que provoca. Como não ter ninguém com quem conversar presencialmente. Eu falava frequentemente com o Genésio, mas do nada, desapareceu. Já não se fazem amigos imaginários como antigamente. Ainda falo comigo, se bem há dias não me respondi, o que me deixou bastante irritado. Achei essa minha atitude extremamente indelicada. Ainda digo mais. Hei de querer falar comigo novamente e quando isso acontecer não me responderei. Só por causa das coisas. Não preciso de ninguém para falar sozinho! O importante é manter a calma e assim garantir a minha sanidade mental. Sabiam que as escovas de dentes têm 148 pelos?

Confesso que uns dias atrás estive quase a vacilar para a loucura, mas felizmente a razão foi mais forte. Estive quase, mas quase, para arrumar o meu quarto. Uma loucura. Estava no meu quarto a serpentear entre os montes de roupa suja, de roupa lavada e de roupa assim-assim, quando tive essa ideia, que surgiu devido ao excesso de tempo livre. Lembrei que já que tinha tempo, porque não arruma-lo, assim se tivesse visitas, ficariam impressionados visto que nunca foi visto nesse estado. Mas para quê? Se estamos todos confinados, ninguém me vem visitar e logo ele não precisa de arrumação. Bendita razão! Sabiam que há pacotes de arroz com 83565 bagos e outros com 84147?

A verdade é que um dia destes tive um pequeno episódio de Tourette domiciliaria. Do nada, e não sei bem porquê, gritava “RUA”. Provavelmente devido às saudades que tenho dela. É por causa disso que não como há 4 dias. Eu encomendava a comida online, mas desde do dia episódio mais ninguém veio. Quando estafeta chegou, e tocou a campainha, a dupla excitação, ir à rua e comer, fez com que eu começasse a gritar “RUA”. “- É o senhor Marco? - Sou sim! RUAAAAA - Tenha calma! Está aqui a sua encomenda! - Muito obrigado! RUAAAAA! - Não precisa de falar assim! - Desculpa! RUAAAAAA! Não é por mal! RUAAAAAA! - Sendo assim, vou me embora, e vou fazer queixa de si! Deve ser maluquinho! - Não vá! RUAAAAAA! Tenho tanta fome! RUAAAAAA!” Uma coisa é certa, não vou recomendar aquela empresa a ninguém. Que falta de profissionalismo! Só pensar nisso fico nervoso. RUAAAAAA. Outra vez não. Sabiam que a relva cresce 1 mm de 6 em 6 dias?

Para ser franco não estou bem sozinho. Tenho o meu cão comigo. Alias, há bocado disse que foi a razão que me convenceu a não arrumar o quarto, mas decisão tem muito do dedo, ou da pata, do meu cão. Não me recordo das palavras exactas, mas acho que ele disse algo parecido com isto: “Não cedas a tentação do óbvio e liberta-te da pressão deste momento” Eu penso que ele estava a dizer para não arrumar o quarto, ou será que ele me queria vender um charro? Eu nem sabia que ele era dealer. Sabiam que dá para contar os grãos de açúcar quando o tempo está muito húmido?

Ele anda um pouco chateado, deve estar farto de jogar às cartas. Era isso ou ir passear 78 vezes por dia. Até parece que tem muitas coisas para fazer. O que faz nem é muito cansativo. Ainda ontem o fiz. Dormir, comer, dormir, comer, ir à rua fazer as necessidades, dormir, comer, ladrar, mas não dá para mim. Os meus latidos são muito graves e estou a ficar sem voz. Imagine que eu queira falar comigo. Sem voz não me consigo responder.

Ao contrário de muitas pessoas, eu não abuso com os passeios para ter um pretexto de ir à rua. Só para terem uma ideia. Hoje só o passeei 63 vezes! E para poupa-lo ontem não o passeei. Ele ficou em casa a descansar e, em vez dele, levei o Pitosga. A Polícia é que não achou piada. Estava com o Pitosga quando um polícia me disse: “Você não sabe que não pode sair de casa, sem ser por extrema necessidade, ou até, se tiver, para passear os seus animais domésticos. Mas tem de ter um animal, não pode andar só com a trela! Vá para casa e da próxima para traga um animal!” Não percebi o que ele quis dizer com aquilo. Coitado! Deve estar a ficar doido! Não se vê que estou a passear o cão imaginário do meu amigo Genésio?

Mas como tenho dito. O importante é manter a sanidade mental, ou como quem diz, não ficar maluquinho! Vou dar uma voltinha até o jardim para arejar um pouco e aproveito para ir passeá-lo. Está farto de me pedir. Onde raio se meteu? Alho francês!? onde estás? Olha que vou a rua sozinho!

Não esqueçam das palavras de ordem que vou repetir: MANTER A SANIDADE MENTAL!


O Cronista da Parvoíce © 2020

Sem comentários:

Enviar um comentário