quarta-feira, 14 de março de 2018

O Verdadeiro Turismo Ultraexistente

Desafio do João Machaqueiro 


Premissa: Cemitério 

Palavras Impostas: Beringela, buraco, idiotas, pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico, vibrador e zoofilia. 

Quando era novo sonhava em tornar-me no maior super-herói que o mundo conhecera. Mas por dificuldades técnicas não foi possível. Nomeadamente a inadequação a vestimenta heróica. Os fatos de lycra são muito apertados, e com a minha zona abominável demasiadamente desenvolvida, poderia salvar o dia, mas seria improvável ficar com a donzela em apuros. O binómio barriga/donzela nunca é condizente e garantia de uma noite animada para o herói. Também era muito provável que aperto do super-fato iria provocar-me alergias e deixar-me com uma comichão insuportável nas virilhas. Outro factor decisivo na escolha doutra via profissional, é não ter sido picado por uma aranha geneticamente alterada, ou ter levado com um raio perto de substâncias químicas, ou simplesmente ser originário de um planeta distante. Felizmente para mim encontrei a minha profissão de sonho. Sou guia cemiterial com especialização buraqueira e proporciono turismo ultraexistente. Quando o vibrador vocacional nos apela, não há como não o escutar.

Sempre quis ter um trabalho doutro mundo e depois de verificar a minha incapacidade heróica, pensei em ser astronauta. Mas como tenho vertigens descartei logo essa hipótese. Com minha apetência para o outro mundo, achei que a cartomancia seria uma boa hipótese. Só que nunca fui muito bom a jogar às cartas, não esquecendo que a bola de cristal gasta muita electricidade. Confesso que estava muito indeciso em termos profissionais, mas tudo mudou quando senti aquela vibração que muda a nossa vida. Ainda me lembro disso como se fosse ontem, ou quase, na verdade lembro-me disso como se fosse na antevéspera de anteontem, porque foi. Estou neste trabalho há 5 dias. Estava em casa a quando senti um intenso vibrar. Fiquei desiludido quando percebi que não era uma notificação do Tinder. Estava, e estou com esperança que aquela jeitosa, a Raquel, me retribua o gosto. Depois de uma pesquisa longuíssima enquanto degustava uma beringela e intercalada com aqueles filmes que recheiam a Internet, encontrei o trabalho indicado para mim: coveiro.

Desengana-se quem pensa que é um trabalho fácil. Não é só cavar! Em poucos dias reorganizei aquilo tudo. Eu acredito em boas energia e por isso operei um verdadeiro feng shui cemiterial. Foi um trabalho árduo que necessitou muita cabeça, muitos bracinhos, mas principalmente de uma retroescavadora. Agora está tudo organizado por secções. Tenho uma secção para fetiches esquisitos, como a zoofilia. Nestas campas coloco fotos de animais em vez de flores. Também há uma secção para as pessoas como eu: os tarados. Como não só muito apreciador de flores e só alérgico não pretendo que as colocam na minha campa. Não faz sentido eu ficar a espirar constantemente. Se puserem recortes da Playboy vou gostar! A secção mais curiosa é a zona das doenças estúpidas.

Nessa zona pode encontrar de tudo um pouco. Para dizer a verdade, ainda só tem um morador o Zeca que morreu por causa da pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiose, que é uma doença pulmonar causada pela inspiração de cinzas vulcânicas. E o mais engraçado é que o gajo nem era vulcanólogo. Era talhante. mas o idiota tinha mania que era esperto e estava a jogar ao enforcado e engasgou-se a dizer a palavra pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico. Como podem ver a cultura pode fazer mossa. A cultura e 20 sílabas e 46 letras! Como vêm o gajo morreu mesmo com uma doença estúpida: conice aguda.

Adoro o meu trabalho. Gosto imenso de conversar com os moradores do sitio. São bons ouvintes e nunca me criticam. Eu sei que eles não me podem responder e com eles estou a falar sozinho, mas é suposto. Não!? Eu poderia falar com eles e obter resposta, mas o problema é que eles estão enfiados num buraco qualquer e não têm rede. Mas com a bola cristal adequada isso resolvia-se. O problema é que a Junta fica longe e seria preciso uma extensão enormíssima. Uma muito grande, ou várias ligadas entre si. O que seria muito chato, porque teria de liga-las todas as manhãs. A não ser que… A não ser que as enrolasse e ficassem ligadas entre elas. Mas se calhar o melhor é comprar uma bola de cristal a pilhas. Já gastam menos, mas teriam de ser recargáveis. Não posso gastar dinheiro à toa e nesse caso preciso de carregador e de electricidade para ele funcionar. Assim sendo preciso de uma extensão, mas de uma muito grande… ou de várias… Se calhar está na hora de procurar outra coisa…

O Cronista da Parvoice ©

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